A professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, Andrea Gallassi, tem testado os efeitos do canabidiol, substância derivada da Cannabis sativa, conhecida como maconha, no tratamento de pessoas viciadas em crack. Atualmente, no mundo inteiro, este estudo só está sendo feito em dois lugares: aqui, no Brasil, em Brasília, e no Canadá.
Segundo a pesquisadora, toda a sua trajetória acadêmica, como o mestrado, o doutorado e o pós-doutorado, além da atuação clínica, que sempre foi voltada para usuários de drogas. Porém, com os avanços da medicina canabinóide, há quatros anos, Andrea teve a ideia de fazer um estudo para avaliar o uso do canabidiol para as pessoas dependentes de crack.
Ao longo destes anos todos, ela percebeu quais eram os sintomas e quais eram as maiores dificuldades que esses pacientes tinham. Foi aí que a pesquisadora constatou que eles até tentavam parar, mas a abstinência do crack, era tão grande, que faziam eles terem recaídas, e, novamente, voltavam a usar a droga.
Somado a isso, os efeitos positivos do uso do canabidiol fizeram Andrea perceber que a substância derivada da Cannabis sativa tem o potencial para amenizar alguns sintomas, como a ansiedade, a falta de apetite, insônia e o desejo por crack.
Andrea e outros pesquisadores decidiram verificar, cientificamente, se, de fato, haveria uma melhora desses sintomas com o uso do canabidiol por meio de um ensaio clínico. Neste estudo, para saber, testar e afirmar que na amostra de pacientes o efeito foi positivo ou não, é preciso ter um grupo que use o medicamento testado, neste caso o canabidiol, e o outro grupo que faça o tratamento convencional, que é feito com antidepressivo, calmante e um estabilizador de humor.
Detalhe: nenhum deles vão ser informados sobre quais foram os medicamentos que eles ingeriram! Até aí, sem problemas, pois eles autorizaram não ficarem sabendo qual seria o tratamento que iriam receber.
“O óleo placebo é óleo de coco com aroma de morango. Por quê? Porque o óleo de canabidiol, a base dele, para diluir o canabidiol, é óleo de coco e tem uma essência de morango. A gente fez exatamente para ficar muito parecido”, comenta a pesquisadora.
O problema é que a substância que é usada na pesquisa, o canabidiol, não é vendida no Brasil; e foi aí que começou todo o processo para viabilizar a importação do óleo. Segundo a professora da UnB, Andrea Gallassi, o estudo teve todo o apoio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.
“Eu tenho essas duas autorizações, que são as autorizações necessárias, junto à Anvisa, pela simples razão de que se trata de um medicamento de uso controlado e que a gente não tem no Brasil, a gente tem que importar. Então, quem me dá autorização para importação é a Anvisa”, disse.
No total, o estudo foi desenhado para atender 80 dependentes em crack. O recrutamento dos participantes começou em agosto. De lá, para cá, já foram abertos alguns grupos, que já começaram o tratamento, mas, as inscrições ainda estão abertas, e vão se encerrar no final de outubro.
Além disso, segundo a professora da Universidade de Brasília (UnB), existe uma equipe multidisciplinar cuidando destas pessoas, sem contar que eles ganham as passagens para ir até a UnB, uma vez por semana, para pegar a medicação. Afinal, os medicamentos não são dados de uma só vez.
“O transporte a gente reembolsa. O dinheiro é todo da pesquisa. Isso tudo é financiado Pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, a FAPDF, é tudo recurso público, né; a pesquisa é aprovada pelo Comitê de Ética da UnB, pelo Comitê de Ética da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Esta pesquisa, assim, ela concorreu a um edital e aí eu fui contemplada no edital, né? Eu consegui o recurso para poder executar”, conta.
A médica e consultora técnica em terapia canabinóide, da Academia Internacional de Cannabis, doutora Carolina Nocetti, apoia a iniciativa.
“Você deixar de usar ou usar menos o crack para usar um produto seguro é algo benéfico para o paciente. Existe, já documentado em literatura, que o canabidiol ajuda na parte de ansiedade, ajuda no sono, né, em alguns outros sintomas, que esses pacientes podem se beneficiar, de ter esse apoio terapêutico. Então eu vejo como positivo sim”, afirma.
No mês de julho deste ano, o presidente da Anvisa, William Dib, disse em um debate na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, que o intuito da Anvisa é discutir o registro e a qualidade de produto medicinal, não o uso recreativo da maconha.
“Se não fosse a classe médica fazer pesquisas, estudos, e disseminar o uso, provavelmente a Anvisa não estaria aqui discutindo e fazendo consulta pública para regulamentar aquilo que foi definido por lei. A Anvisa não discute o uso recreativo. A Anvisa não discute recreação e não discute liberação de droga. A Anvisa discute registro e qualidade de produto medicinal”, pondera.
Outra novidade é que a partir do início deste mês, pacientes em tratamento de saúde, que tenham sido orientados a usarem o canabidiol, podem solicitar a importação de produtos feitos à base da substância por meio de um formulário eletrônico.
Esse novo guia de importação mediante prescrição de profissional de saúde legalmente habilitado deve ser preenchido no portal www.gov.br, pelo paciente ou por um representante legal devidamente constituído.
A autorização vale por ano e, durante esse período, os pacientes ou seus responsáveis legais podem importar o produto autorizado. Para isso, basta apresentar a prescrição médica com o quantitativo previsto para o tratamento diretamente nos postos da Anvisa localizados nos aeroportos e nas áreas de fronteiras.
As pessoas interessadas em participar do tratamento devem entrar em contato pelo número (061) 99996-7060. A pessoa pode ligar a cobrar ou até mesmo mandar um WhatsApp. Aí é preciso agendar um horário e depois ir ao Campus UnB Ceilândia para passar por todos os procedimentos.