Tem-se discutido a conveniência ou não de se ajoelharem os fiéis durante a S. Missa. O autor deste artigo toma posição frente aos que negam o sentido de tal postura e mostra o significado positivo que ela tem.

Em certos ambientes católicos tem-se discutido o sentido de ajoelhar-se durante a S. Missa e, de modo particular, por ocasião da consagração do pão e do vinho. A imprensa religiosa tem publicado artigos que contestam essa prática, deixando o povo de Deus perplexo e dividido.

A Redação de PR recebeu do sr. José Hipólito de Moura Faria um artigo que defende a postura ajoelhada em certos momentos da celebração eucarística. Vai, a seguir, publicado em seus segmentos principais, com a gratidão de PR ao valioso colaborador.

É melhor voltar ao passado?

Não me convencem, de forma alguma, os argumentos que condenam a flexão de joelhos durante a Missa, e que se pretendem justificar com motivações de ordem histórica, simbólica ou teológica. É o que procurarei demonstrar.

Do ponto de vista histórico, alegam que, na maior parte do primeiro milênio, o povo não se ajoelhava durante a celebração eucarística. Logo, segundo este raciocínio, deveríamos recuperar esse costume agora, no terceiro milênio. Mas esse tipo de argumento subentende que o antigo era necessariamente melhor e mais adequado do que o atual. De fato, algumas pessoas tendem a julgar que o novo é sempre melhor: é o progressismo (que às vezes é chamado também de pragmatismo por levar, na prática, a constantes mudanças). Outras julgam que o antigo é melhor: é o arqueologista. Este último problema tem sido o de certos liturgistas, aos quais Pio XII já deu uma resposta, na “Mediator Dei”:”A liturgia da época antiga é, sem dúvida, digna de veneração, mas o uso antigo não é, por motivo somente de sua Antiguidade, o melhor, seja em si mesmo, seja em relação aos tempos posteriores e às novas condições verificadas. Os ritos litúrgicos mais recentes também são respeitáveis, pois que foram estabelecidos por influxo do Espírito Santo que está com a Igreja até a consumação dos séculos […]” (Nº 54).

Por outro lado, escreveu o Cardeal Ratzinger (hoje Papa Bento XVI), numa longa resenha do livro The organic development of the liturgy, de D. Alcuin Reid. OSB: “O arqueologismo e o pragmatismo pastoral – este último, aliás, é muitas vezes um racionalismo pastoral são ambos errados. Poderiam ser descritos como um par de gêmeos profanos. Os liturgistas da primeira geração eram, em sua maioria, historiadores inclinados, conseqüentemente, ao arqueologismo. Queriam desenterrar as formas mais antigas, em sua pureza original: viam os livros litúrgicos em uso, com seus ritos, como expressão de proliferações históricas, fruto de mal-entendidos e ignorância do passado. Buscavam reconstruir a Liturgia Romana mais antiga e limpá-la de todos os acréscimos posteriores. Não era uma coisa totalmente errada; mas a reforma litúrgica é de alguma forma algo diferente de uma escavação arqueológica, e nem todos os desdobramentos de algo vivo devem ter a lógica de um critério racionalista/historicista” (Apud 30 Dias nº 12, 2004, pp. 47ss) (…).

Tentando facilitar a compreensão dos leitores, esclareço que essa tentativa de volta indiscriminada a todas as formas primitivas da liturgia equivaleria a comprimir os ramos de um arbusto de mostarda para fazê-los reentrar na semente…

Afinal, houve ao longo da história da Igreja uma evolução teológica e dogmática, uma evolução espiritual, uma evolução institucional também e só não iríamos admitir uma evolução litúrgica?

A celebração eucarística não se reduziu à adoração.

Examinemos, a seguir, os argumentos teológico-litúrgicos de que lançam mão os que desejam suprimir a postura de joelhos.

E o primeiro é o de que teria havido um “deslocamento de eixo”, ou seja: “A Eucaristia, de memorial da morte e ressurreição do Senhor, passa a ser compreendida e celebrada, a partir da Idade Média, como momento de adoração do SSmo. Sacramento”. Por causa dessa nova compreensão, surgiu o costume de ajoelhar durante a consagração.

Mas que afirmativa exagerada! Desconheço alguma época da história em que a celebração eucarística foi reduzida a um momento de adoração ao Santíssimo Sacramento. Afirmações absolutas e simplistas podem facilitar a “catequese” em favor da posição desses liturgistas, mas estão longe de corresponder à realidade e à complexidade das coisas. Para comprovar isso, examinemos o rito antigo da Missa: com outros nomes, a celebração era substancialmente idêntica à atual: havia os ritos iniciais, chamados, na época, de ante-missa: salmos, o “confiteor”, o Kyrie, o Glória, a oração… havia a “liturgia da palavra” com uma leitura, além do Evangelho, e a homilia; havia o ofertório, a consagração, as orações pela Igreja e pelo povo (os “mementos”) e a comunhão. Como reduzir tudo isso a um simples “momento de adoração ao SSmo. Sacramento”, pelo simples fato de nos ajoelharmos em dado instante? Do ponto de vista lógico tal raciocínio poderia ser considerado como uma variante do clássico sofisma de indução errônea (designado pelo verso de Vergílio ab uno disce omnes por um julga a todos), ou seja, uma generalização indevida: por causa de um momento de adoração, sofisma-se que tudo é somente adoração.

O abandono do termo “consagração”

Uma segunda observação diz respeito não diretamente ao argumento dos citados liturgistas, mas a uma questão conexa, que ajuda a criar a “atmosfera” de fundo para facilitar a aceitação do raciocínio principal. Refiro-me à supressão do substantivo “consagração” e do verbo “consagrar”. Eles começam por esbater a presença sacramental de Cristo, apresentando-a apenas como uma das forma de presença do Senhor, entre outras: presença na assembléia reunida, na palavra de Deus, no próximo… Mas a presença eucarística de Jesus Cristo não é da mesma espécie que as outras é uma presença sacramental, real, substancial, o “mistério da fé” por excelência. Paulo VI insistiu neste ponto, com toda a tradição da Igreja: “Esta presença, efetivamente, se diz real, não por exclusão, como se as outras presenças não fossem reais, mas por excelência, porque é substancial: por ela, na verdade, se faz presente Cristo todo inteiro. Deus e Homem. Portanto, falsamente explicaria esse modo de presença quem imaginasse uma natureza “pneumática”, como dizem, do Corpo de Cristo glorioso, presente em toda parte, ou a reduzisse aos limites de um simbolismo, como se este Augustíssimo Sacramento consistisse apenas num sinal eficaz da presença espiritual de Cristo e de sua íntima união com os fiéis membros do Corpo Místico” (Mysterium fidei – 1965).

Pois bem, propõem os citados especialistas que se deixe de usar o termo popular (e técnico) “consagração”, a ser substituído pela expressão “narrativa da instituição” (e aparentam ter um pouco de “compaixão” pelos que “ainda” usam o termo anterior…). De fato, existe tal narrativa no momento culminante da celebração, mas existe algo mais por trás dela! Qualquer cristão razoavelmente instruído compreenderá o alcance da mudança terminológica: uma simples “narrativa” é algo que reporta o que Jesus disse e fez no passado, ao instituir o Sacramento. Isso enfraquece, obviamente, a “consagração”. Que se dá no aqui e agora da celebração; enfraquece a “transubstanciação”, enfraquece a importância do ministro ordenado que, nesse momento age, mais do que nunca, “in persona Christi” afinal, qualquer pessoa poderia ler uma simples “narrativa da instituição” que evocasse o passado…

Assim, podemos ver as implicações teológicas daquilo que parece, à primeira vista, uma inocente escolha de expressões mais adequadas. Tenham ou não consciência disso os liturgistas que propõem a mudança, essa implicações existem.

Acontece que os termos “consagração” e “consagrar” não podem ser abandonados em hipótese alguma. Deixemos de ouvir opiniões pessoais e escutemos o Magistério da Igreja, em suas normas e na sua doutrina. A Instrução Geral do Missal Romano, por exemplo, determina que “os fiéis se ajoelhem durante a consagração” (nº 43). E no nº 79, alínea c, explica: “…a epiclese, na qual a Igreja implora por meio de invocações especiais a força do Espírito Santo, para que os dons oferecidos pelo ser humano sejam consagrados, isto é, se tornem o Corpo e o Sangue de Cristo”. Na alínea seguinte, repete: “…a narrativa da Instituição é consagração, quando, pelas palavras e ações de Cristo, se realiza o sacrifício que Ele instituiu na última Ceia” (79 d.).

Se abrimos o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, encontramos a mesma doutrina: “…a liturgia eucarística, que compreende a apresentação do pão e do vinho, a oração ou anáfora, que contém as palavras da consagração, e a comunhão” (nº 277).

O Credo do Povo de Deus, elaborado por Paulo VI, para reafirmar a fé católica em face de erros modernos contém este trecho: “Cremos que a Missa, celebrada pelo sacerdote que age na Pessoa de Cristo (in persona Christi) […] é realmente o Sacrifício do Calvário, que se faz sacramentalmente presente em nossos altares. Cremos que, assim como o pão e o vinho consagrados pelo Senhor na última ceia se converteram em Seu Corpo e Seu Sangue […] assim também o pão e o vinho consagrados pelo sacerdote se convertem no Corpo e no Sangue de Cristo”.

Poderíamos citar muitos documentos, mas o espaço de um jornal não o permite.

Em conclusão

Declarar que o não ajoelhar-se durante a celebração eucarística denota uma “compreensão mais profunda” do Sacramento é algo muito subjetivo, e deve ser relativizado como uma auto-massagem nas próprias convicções. Prefiro julgar mais profunda compreensão da Igreja, expressa em suas instruções, suas rubricas, seu Magistério e sua doutrina. E, não podemos esquecer, também nos seus santos, como Charles de Foucauld, que dizia: “adorar a Hóstia Santa deveria ser o centro da vida de todo homem”.


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